domingo, 20 de julho de 2014

Breve história de uma semana


Ultrapassam os homens
a fronteira de outros homens.

A queda
é apenas um contorno da rua:
estreita, esburacada, fria.

O coração apenas dorme e trabalha
longe do lugar da vida
de onde nascem os poemas.

Os homens tateiam sobre o chão da alma.
Parecem frágeis
com ilusões pacíficas.
Mal sabem
que não pode a sombra
ocupar a vida por toda parte.
É assim:
todo verde
precede o verão
toda luz virá
do que não conhecemos.

Alguns homens cantam
chamando todas as tulipas que dormem na terra
mostrando aos corações cansados
a mesma alegria e conforto
de um café coado.

Já diziam eles
que precisamos de lugares
onde passem as palavras
sem ruas esburacadas, sem trânsito.
Sem homens que reclamem da sorte
da falta de amor
da prestação do cartão.
De tudo
não nascemos para nos endividar.
Os problemas existem
como palavras que formam o sangue
e faz bater o coração.

Basta dormir
e retomar o mistério:
o esvaziamento do inferno no peito
uma valsa para sorrir e acordar.

Breve história para começar a semana.

* * *

É Segunda-feira.
No caminho de ruas assustadas
almas prisioneiras de pequenos prazeres.
A nobreza da promessa que nunca chega
da semana invencível
como um inventário de tudo igual.

É Quarta-feira.
O tédio é um caminho que nunca chega.
E eu vejo o ódio com urgência e couro
sapateando pelas calçadas.
O ódio é um patrimônio que não dá frutos
e segue abrindo abismos:
entre carros
entre cômodos
entre paralelos.

É Sexta-feira.
A cidade de Narciso é alta.
Vivem como quem busca refúgio
de uma guerra invencível
de um pavor invisível.
Orações são devoradas
e seguem pegando fogo
fechando portas
derrubando silêncios
que estavam fracos
mas ainda cantavam
ainda sopravam
ainda.

É Sábado.
Nos restaurantes
é dia de feijoada
e a única liberdade que eu vejo
é a laranja
sorrindo no prato branco.

Há bocas
de sorriso e rochas geladas
com pedaços de carne entre os dentes.
Invioláveis à dor
o sangue coagulado tinge o prato
e o aroma de fumaça não engana a morte.
Chupam a ponta dos dedos
para ressuscitá-los
e comê-los novamente
frito ou assado. No óleo ou na brasa.
É pela boca que eles deitam com a morte.

Aos domingos eu escrevo como quem dança frevo
armado de palavras valentes
encubadoras de novos tempos
a grande estrela de um dia inventado.

Estabelecem os homens
a fronteira com outros homens.
Para suportar a certeza
de algo que a morte não tome
e ponto.

Não se desespere quando as estrelas sumirem:
algo surge no mundo
e não será Segunda-feira.

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