quarta-feira, 25 de junho de 2014

Poema 77


Quando seu medo acordar
e você for a última pessoa na Terra
não se esqueça de ainda assim
sair da cama.

É gratuito o peso que cai
como a lágrima de não ter o que inventar
senão mentiras.

Quais amigos te esperarão no futuro?
Onde estavam eles senão te esperando
enquanto você dormia.

E a vida passou
como um amanhã que ninguém nota
como a fila da lotérica dobrando a esquina
a janela aberta na chuva
molhando seus pés
semeando os medos
protegendo o previsível.

A vida te chama pelo nome
a vida te socorre.
A vida sempre encontra razões
como um suspiro aos pés de uma montanha.
Por que foges dela?

Lá esteve a esperança, lembras?
Um suspiro baixinho
de mãos abertas
um chão para pisar
correr
amar. 
Tantas ruas
abaixo da rua do caminho do trabalho
qualquer razão para sorrir
e uma flor para brotar no céu.
Onde esteve você que nunca acreditou em suspiros?

A esperança é como a casa de uma avó
onde para se fazer algo grandioso
basta ser capaz de sentir o gosto de um bolo.

Não escrevo para falar.

Escrevo para recolher do mundo
todas as histórias perdidas
e escrever um livro:
o aprendizado da esperança ou contos da hegemonia do medo

Quando acordar
não me pergunte
quantas cores tem o lado bom da vida.

sábado, 21 de junho de 2014

Poema diminuto



O pouco que aprendi
foi por fatalidade.

Nada sei
senão a fórmula que sustenta os mistérios
e por isso
para mim
nada foi tão triste.
Para ser honesto
a vida trouxe melancolia e tristeza
mas para mim foi tão natural como Outono, uma xícara ou uma cadeira.

Tudo se renova
como um bom homem
que sabe que dentro de uma conversa nasce uma nuvem
com tranquilidade e chuva para semear.
Mas
gargalhar demais
é roubar o sossego das pessoas.

Desde criança
todos os meus amigos viveram respeitando demais.

Não que eu seja contra o respeito.
Sou contra o que me tira o chão, a luz e as asas.

E meus amigos de infância
continuaram obedecendo demais
e cresceram apenas para rir, comprar carros e obedecer
como um império do sono
ou o trajeto de uma noite furiosa e escura
que não se conclui.

Eu cresci para ver o exílio do lamento
mesmo tendo pouco com o que iludir.

Eles continuaram obedecendo e respeitando
e hoje
o trabalho e o chefe
são roupas que eles não tiram mais.

Eu procuro o vão das coisas
como a sorte do Paraíso escrito na palma da mão.

O vão das coisas é o quintal da Poesia.
Lá o varal seca as roupas que devemos usar
e não existem mais roupas velhas ou novas
ou calças para pregarem os botões.
Há excessos
ou há poemas novos
saindo de cada lavagem.

Não sei mais dos meus amigos
não sei se continuam
velhos ou novos
ou se foram lavados.

Não sei da chuva que cai como lembrança deles
não sei da escola que ainda tem cheiro de pão com salsicha.

Apenas sei que esta é a última linha do parágrafo.
Esta é a verdadeira lição do tempo
já dizia a professora Vera.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Ô


Se eu atrasar
me espere por mais de uma hora.

Enquanto isso
não recolha flores do jardim.
Não gaste as vidas da palavra Amor.

Deixe as flores
o carro na garagem
vista a camiseta branca dos Beatles.
Saia mais cedo do trabalho
leia todos os livros da bolsa
estarei na próxima estação do metro.



Era noite e eu não te conhecia
senão como um anjo
em suas memórias de encontros.

Enquanto eu andar
como um soneto em linha reta
como a curva que guarda distâncias
abrindo a noite que guarda seus beijos
lá estarei.

Quanto te vi
no longo vestido que cadenciava a noite
dando vida a um caminho
que levava do mundo
a espera celeste.

Confia sempre
confia
e me encontra.

Vem
tira o sal das palavras.
Levanta do mar a alegria.
Retira da última estrela
o Amor ao céu
e este então
serei eu.

Continue
do ponto em que a vida lhe fez grande
que deste exato momento
o eixo que separa o mundo
o grande e o perfeito
é diminuir seu frio em meu peito.
O caminhar entre as dúvidas
sua boca, mão e beijos
é paciência e lembrança
de que o Amor
compõe a humildade das coisas.

Naturalidade das horas
não tenha medo da chuva
não se esconda da noite
não faça promessa ao futuro.

Apenas
não tenha medo.

E se eu me atrasar
guardo em mim os muitos encontros
sorrindo.






domingo, 8 de junho de 2014

A precisão de Maio



Pedi uma noite simples
com alguns traços de poesia.

Era Maio,
o mês que todos os santos estão no céu.

Fiz uma fogueira simples
e enquanto a madeira estalava
escrevia meu lamento:
"Como é difícil escrever em mundos mudos".

A única forma de sofrimento é estar parado.
Por isso
caminhei
e fui buscar
a letra que estava em paz no papel.

Do trabalho permitido no Alasca
o gelo conserva
e nutre
sem desigualdades.

Caminhei ao fundo da terra
e sentia sede.
O cantil
a taça de vinho
o silêncio das palavras que trabalham a noite
mostram aos inocentes a esperança
o aroma do mundo para a longevidade.

A tábua que andamos
com equilíbrio pelo vento gelado.
Meus pés são a salvação daqueles versos longos:
Meus pés cabem tantos caminhos!

Continuava a caminhar
e a reciclar meteoros
que são luzes nascentes
buscando paradas.

Já não pensava mais nos egoístas
que são pedras dormente.
Estes que se afundem com seus ódios!
Penso naqueles que estão sozinhos
e os egoístas não deixam voar.

Eles vieram de longe
querem uma classe de privilégios.

Os egoístas me consomem
eu não sei o motivo.
Eles são tiranos da liberdade
pólvora e metal da bala
a sombra dos famintos nas ruas.

Os egoístas falam por todas as coisas.
Eles se ofendem quando o povo sai da desgraça!
A multidão dos egoístas anda armada
tem braços e cães raivosos.
Eles se reúnem em jantares
brindam com o sangue dos trabalhadores
e malditos
eles cantam:
"nunca um homem pode ter
o que nunca teve".

Malditos e coléricos
são julgados na França e Suiça
malditos e coléricos
eles votam
eles voltam.

Era uma manhã simples
despovoada.
Era a precisão de Junho
mostrando que enquanto tomba um homem
a poesia resiste.

Em Maio
todos os santos
e os trabalhadores
estão no céu.



quarta-feira, 4 de junho de 2014

Poema 6


Escrevo
porque invento memórias.
Não se recupera a felicidade
pelo pensamento.

Andemos todos devagar
e sem pressa.
É com o andar simples do carteiro
que a paz encontra o número certo
o lar de cada casa. 

Antes que cada folha caia
um universo já nasceu
e no movimento da queda
o solo espera.

Não condene as horas e os passos.
Quando nascemos
ninguém disse que a desvantagem dos homens
seriam os relógios
tampouco
os ponteiros sabem disso.

Vivemos dando nome e mentira às coisas:
não há maldade no mundo
não há um coração que sofre
não há TDHA nas crianças.

Simplesmente
alguns precisam da mentira porque a vida é boa demais.

A vida é o sorriso secreto de cada coisa.

O tempo da espera não é um tempo preso
como uma fila de banco.
A espera genuína 
são os pés aprendendo a voar.

Por isso nas cidades
as pessoas tem tanto medo de altura.