terça-feira, 29 de abril de 2014

Poema de véspera


Para Evelin Scarelli *


Somos todos
maiores e humanos
como o amor que se perde
como o amor que se ama.

Parecia tímida
mas era Primavera.
Menina coroada
tinha nome e encanto
a voz da resistência solene.

Então
a poesia da menina que escuta o tempo
dizendo 
com palavras simples
que antes da bondade, a véspera.
O silêncio dos afetos
agora compreendido
da menina que conjugou a eternidade
com um sorriso.

Um dia
recebeu uma notícia
triste como as cores de um quadro reverso
e ela chorou. 
Chorou
como um sol chora poesia
e dos seus olhos nasceu um novo Outono
que conduziu os homens
para a grandeza de existir.

De suas lágrimas
ela acordou o amanhã
com um novo mundo ainda possível.

Sobre as preces menina
estamos todos juntos.
Você perto
eu longe.
Estamos juntos menina.

Você tem medo e dor,
menina.
Que ninguém pense que você é imune ao que sofrem os homens
mas, entre você e o mundo: a salvação dos poemas.

Há em  seu coração a lucidez do amor
que procura a sombra das cidades
que adivinha tristezas
em olhares frios:
o abraço de um céu espumado.

No seu coração a viagem
o perfume de um lábio que não se mede
exala a voz de um coração que não se cansa.

Onde faz sol
seu sorriso é jasmim
onde alguém dorme
seu olhar é sonho.

Onde há ódio
seu caminhar tem todas as rotas
para não morrermos em trevas.
Onde as portas não abrem
suas mãos formam as chaves
do doce afeto de Cora.

O ponto que chega
é a ciência que trouxe
mas a beleza
é sempre preservada.

Luz da manhã que irradia  um destino
é tão bom vê-la correr.

Corre com sede de vida menina
que o mundo é uma rosa selvagem.
Corre que você escuta o amanhã
e apenas nós sofremos por ele.
Corre porque você se move
com dedos que plantam a Fé em lugares sombrios.
Corre que seu sorriso conduz os homens às areias
de um perpétuo afogamento.

Corre e fita o céu
de um coração transbordante
é lá seu lugar entre as honras e as horas
da justiça das estrelas que conquistaram o Infinito.

É seu sorriso
estátua e salvação de uma cidade áspera
que cruza o cimento
e encontra a saída do labirinto
vindo de um poema de véspera.


Para conhecer o que inspirou este poema, conheça o trabalho da Evellin no Instituto Oncoguia. 

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Quem espera?


M. sofria com a da solidão da cidade.
No metro, ela sentou ao seu lado. Tinha o olhar de acalmar ausências. 
No braço esquerdo a Frida tatuada, e em espanhol a frase: " mujeres bellas son las que lucham". 
Estava atrasado para o trabalho e desceu.
Da janela, trocaram olhares.
Pensou ter perdido para a cidade, mais uma vez.
Ela o esperava na estação seguinte. 

quinta-feira, 24 de abril de 2014

O mundo é uma aprendizagem de carinhos

Para o aniversário de Mayra Domingues.
" Tudo que fizer, que faça com o coração, alegria e esperança".
 



Ainda que toda neblina
derrubasse meu corpo
deixando o peito aberto
paralelo ao chão

e todo fogo rebatizasse minha vida,
com a matéria do silêncio,
eu voltaria com notícias de longe
após o desembrulhar da lamentação.

Se todo mistério
coubesse numa pedra
seria eu
a continuação dos mortos e dos Homens?

Teria um orgulho a defender e interpretar?
Seria sonolento de segunda à sexta-feira
e bêbado aos sábados e domingos?
O amanhã os protege do amanhã.

Com o auxílio da humildade dos céus
soube que os santos para os quais se rezam
não são os mesmos
que se fazem promessas.

Antes da doença
na fronteira do amor corria um rio.
Hoje ele é pesado, ri com invisibilidade
como quem bate o ponto: atrasado, competitivo cansado.

Um poeta sozinho quer acabar com a doença
porque ele é homem povoado
de sangue, anjos e beleza
e escuta sombras e excessos.

Do tempo que todos mastigam
fazem fila, tiram foto e compram
ele sabe o endereço das coisas esquecidas
e resgatá-las é seu dever

principalmente quando a descrença 
tortura e amarra a felicidade
e dos 4 cantos da boca
um planeta cinza é a essência do frio.

Há na queda um assunto interminável contra a tristeza.
Quando levantei-me, retirei do solo raiz e semente
calor e o verde das perguntas.
Todo o consolo dominou minhas mãos e palavras

e como um relógio,
aponta ideias que alcançam o Sol,
a Araucária sorriu manhãs
com dedicação e coragem. 

Suas mãos espalmadas
compreendiam os pássaros
que constroem moradas no vento.
Compreendiam também os Homens:

há pavor demais em sair da solidão.
O veneno dos enlatados
evoluiu para uma acomodação crônica.
Uma pele

esperava radiante o momento certo de tornar-se Homem.
Era churrasco
e na sedução escondida e belicosa dos espetos
desintegrava a convivência.

A partir deste dia
a pele vestiu qualquer roupa
e estampou um sorriso estático
trabalhando por 8 horas.

Do sangue,
a obstinação de enfrentar a consciência,
 a necessidade de cartão de créditos, filas e planilhas.
Viver tornou-se um mosaico de castigos.

Hoje, o mundo é a decepção
de um poema para guardar e esquecer.
Mas amanhã
o dia muda.





terça-feira, 22 de abril de 2014

Poema para Ela


Eu a conheci
quando consertei as gavetas
e as goteiras do meu coração.
Ela organizou minhas ausências.

As coisas que deixei empilhadas
viraram texturas
com a eloquência de um sorriso.

Ela apareceu como quem cai de um prédio
como a manchete de um jornal de notícias
que faz com que acreditemos no casamento
que faz com que acreditemos no eclipse que vai nos salvar de nós mesmo.
Ela apareceu.

A metade do dia com ela
era um tempo que cabia em um relógio quebrado
a outra
era um Pasquetta.

Da primeira conversa
lembro que não sabia o que dizer
pois enquanto olhava para ela
via o universo em constelação
e a superfície de quem trabalha silenciosamente
como é o amor verdadeiro.

Eu agradeci mentalmente porque ela falava muito
e as palavras saiam da boca dela como avenidas
e eu compus um verso bobo:
" o poeta é o barqueiro que não soube remar".

Mas ela me olhava firme
como a matéria da chuva
ou como quem resgatava o poeta
do barco que virou
e eu precisava dizer algo.

Como pássaros que dormiam em mim
ou farelos de lavanda italiana
eu disse qualquer coisa sobre gostar das estações intermediárias
como outono e primavera.
Ela disse ser açúcar sua cor favorita.
Continuamos andando pela rua Augusta.

Andamos.
Ela estava cansada.
Depois de tanto andar
ela disse:
- Ainda que eu estaria com fome, não comeria esta churrascaria.

O mundo sorriu para mim
em um afresco de Giotto.
Eu queria acabar com a fome dela em um restaurante vegetariano
eu queria acabar com a saudade dela da Itália.

Dormi em seus braços como um céu que faz a manhã de Assis
uma imagem de Deus sorrindo.
Na manhã seguinte
ela fez o café.

No silêncio
à espera de perdê-la
o café era um pássaro mostrando sua beleza.

Ela desceu na estação Paraíso.
Eu desceria mais a frente.
Antes de dar um abraço
disse que a vida é uma hipótese de caminhos dispersos.
Sorriu.

Entendi sua saudade da Itália
eu entendi
que saudade só existe no Brasil.

domingo, 13 de abril de 2014

Poema 80


Acorda.

Acorda e sorri ao vento
o que sabem as nuvens ao nosso respeito?
Elas estavam lá
antes de nós
puras
tricotando pétalas
para inventar um céu habitável de sonhos aos homens
estourando pipoca e omelete de queijo
como fazem as avós.
Nuvens puras são batidas com açúcar.

Cada uma tem seu nome.

 Vejo no peito de cada uma
um crachá escrito com canetinhas de ponta fina
e letras tremidas:
A nuvem pijama de elefante rosa
 nuvem alcaçuz cítrico
 nuvem relógio agitado
 nuvem submarino enlatado
 nuvem chá de morango
 nuvem cebola com shoyo
 nuvem com cheiro de castanha.


 A vida que nos olha
é a mesma que escreve em seus olhos
com amor e canela.
As nuvens 
como filhas da vida
dissolveram  a essência do Sol
para criar uma avenida de força e afeto
no coração dos homens. 

Homens, ainda, indescobertos
com o destino de repartir o amor em zonas vitoriosas
rodeados de uma multidão
de corpos trêmulos
da cidade que não dorme
que não habitam línguas para o gosto do café
para o gosto das cores
para o gosto...

O PIB
O enxofre das ações e da bolsa de valores
saúdam impiedosamente o bom dia
daqueles que o sabor da Terra Natal
ainda
é exílio do cotidiano.

No espelho
quanto olhar cabe em sua imagem
quanto de você ainda é o espelho
quanto de você ainda é outros mundos.

Do silêncio da pedra
caímos da altura da vida
e se não aguentamos o silêncio
é porque ele crava
nossa miséria
nossa potência.

Não aguentamos ser tantos.
Uma aldeia de infinitos agoniza
enquanto esperamos a morte do dia
para dormir.
Há nas veias
ferro, palavras e sangue para lutar.
Há o amor para ser boca de toda alma
e o dia nascer
longe de toda tirania.

Todo prédio comercial  nunca tocará o céu.
Enquanto os patrões ainda fazem vingança
negam a vida de seu movimento mais secreto.

Das nuvens a chuva
confissão e profecia:
estamos próximos da sede incurável da vida.


segunda-feira, 7 de abril de 2014

Poema 17



Por amor às palavras
eu sujei paredes.

Por amor às palavras
incendiei o gelo
dos muros.

Diziam que o livro não existia em mim. Nem Educação. Nem pais. Nem juízo.

O livro. A Educação. Meus pais. Meu juízo
existiam em mim
eram personagens reais.
Violaram comigo a insatisfação dos dias
criamos desordens
e um alfabeto novo.

Alguns erros fazem parte
da inteligência coletiva
das cidades
dos homens.
Dar valor e vasão
pulso e pulsão
aderência de vida à almas.

Sobre a brevidade do cimento
somos testemunhas
de que nas ruas
não há residência fixa.
Há a necessidade do branco e da ordem
em troca
nos dão falta de água
ar de concreto e cinza
pessoas sem eternidade.

Por amor às palavras
recriamos vozes nas ruas
inauguramos um novo período nos dias.


Uma outra versão para esta história foi contada:
- Delegado. Este vagabundo foi detido pichando.

terça-feira, 1 de abril de 2014

Antologia das coisas pequenas



Como medir a escuridão do dia?


Ao ver uma aranha
tatuando semblantes ao vento
conquistando sua felicidade

um pelicano
incomodado
por sua vida ser um Desfile Cívico
disse em tom de poder judiciário:

-O leão é leão
porque usa perucas!

Vestindo irritações bilíngues 
um gato manco apareceu recordando perguntas existenciais antigas 
e a reconciliação com o cachorro.
Sumiu 
depois de trazer a primavera nos olhos e bigodes.

A inveja é transparente e veste plumas? 
As ovelhas apenas disseram amém.

O prazer da presença
de quem não tinha entrado na história
foi ver
em idioma investigativo
a cobertura da colisão frontal
entre duas formigas.
Não houve mortos.

Ultima notícia antes da novela:

O mar entrou em greve
está cansado de comer areia.

Boa noite.