domingo, 16 de novembro de 2014

Poema para Manoel de Barros ( em ocasião de seu encontro com as estrelas)



Eis que os tempos de combate
duram o mesmo que as estrelas que vemos.
Eis que a vida
é como uma palavra certeira
sabe bem disso, poeta.

Demoramos para entender você
porque a poesia é como café quente na boca
e a sua mentira, que seja 90%
super a mais-valia da verdade.

Exageramos na diabetes
e na hipertensão
porque vivemos uma vida sem sabores.

Eis que a sua poesia, Manoel
é um convite:
celebremos o aroma do barro
o bolo com gosto de saudades
os olhares com gosto de açúcar.

Se choramos com a sua ida?
Somos sua poesia de uma pátria só
e te escuto convidando os homens
dando uma chave a cada um de nós
abrindo a verdadeira porta das cidades
multiplicando os caminhos
semeando a chuva oculta.

Sim, choramos.
Mas as estrelas são abraços gigantes
as estrelas são amigas
você que me disse, Manoel.

Aprendi contigo
que o desuso das coisas
está no avesso
é lá que elas estão prenhes
sem nunca terem ouvido falar em sexo.

Será o céu um bom lugar para morar?

Manoel
você que inventou o reino das toalhas felpudas
a homeopatia das primaveras
o louvor dos canhões de guerra de travesseiro.
O céu é habitável
mas seria mais verdadeiro te encontrar
amolecendo o por do sol dentro de uma laranja
ensinando o doce ao limão
falando francês com o cachorro da rua
e amando
através da biodinâmica crepuscular do olhar.

Manoel! Eu me apaixonei Manoel!
Meu coração desfolha poesia!
Mas você ri...
depois escova os dentes
como quem acaba de almoçar.

Manuel! Por que come pera enquanto eu falo?
Por que ri
como um Deus que a cada soluço
cria um destino.

Você
que revogou um clima novo na terra
para erradicar a indiferença
uma doença grave
agora vai dormir.

Quando acordar
Manoel
vai continuar despertando pedras.

domingo, 5 de outubro de 2014

Velocidade





Antes de escrever versos
eu crio mundos.

Escrevo enquanto as cidades estão na subida
porque desceremos todos juntos
e buscaremos os soterrados
ressuscitado-os com palavras.

As histórias estão presas
no ingrato ferro e bolo de cimento
em todo avanço que cobre a Primavera
que agoniza raízes
que abafa o esplendor das Paineiras
que faz os homens se levantarem contra outros homens.

Por onde segue a canção do caminho?
Onde está Atlas e a essência do planeta?

Persisto
porque sou poeta
que perfuma a Lua
e mostra aos homens a subversão da sombra
o recuo do clarão azul
transformando o desencanto em  legado.

Inquietas
massas ocas de pele e sebo
inventam precipícios
e lá se vão
longamente
rumo a uma feira de frutas vencidas
e peixes podres.

Não são os meses que tocam os anos
e o primeiro mundo existe.
Está no Amor das nuvens
 não nos homens de pele de enxofre de Manhattan
onde um mundo gradualmente novo se expande em seus dedos...
enquanto você dá poder à ilha
ela ri de você
te chupa
suga de forma indomável
seu hálito de vida.

Os fascistas estão com fome
e querem mais do que três refeições ao  dia.
O mundo ficou mudo
costurado com conforto.

Não terás destino
não terás repouso
enquanto os mesmos filhos de Santa Clara e Francisco
nascerem com a condenação ao silêncio.

Condenados ao silêncio
estão os cães nas ruas
e os animais que são espeto
deformados
como uma lembrança fria que corria.

Com golpes de individualismo e tecnologia
estamos nós
também
condenados ao silêncio.

Seremos resgatados
porque estamos acompanhados
pelo desejo de repartir o amor
em zonas vitoriosas.
A poesia arrancada da terra
testemunha dos dias de consciência
acalmou o frequente sofrimento:
antes do amor
estávamos sozinhos.

O amanhã será
a emanação de um novo mundo.

















segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Poema sobre a passagem do tempo


" Tem gosto de nuvem
do Paraíso". 


Enquanto você dormia
ouvia suas histórias de Presente e Passado.

Era meia-noite
meus ouvidos estavam agitados
como um colecionador de moedas. 
Era uma só voz
e eu já tinha meu amuleto de histórias.

Meu vocabulário se apagou 
( não sou um poeta de palavras)
e tinha nas mãos o segredo do horizonte
meu próprio mito individual.

Mas seus olhos são maiores que a morte
e da aventura que é responder o esquecimento
caiu do céu
como mais uma de suas histórias
o segredo certo para sorrir
o tempo puro para chorar.

Lia com os pensamentos
cada frase
cada história sua
e venci a resistência da rua.
Pescava cada esperança ali despedaçada
e do chão recolhia colares
sorrisos
sentimentos inconclusos.

O evangelho que é estar ao seu lado
deslizando pelas laterais do seu sorriso curto
seus olhos apertados
fiéis como a noite
curavam minha ansiedade
como um fumo
enrolado na palha do tempo.

A chuva caiu
quando o céu quebrou
e se algo se for
lembre-se:
os encontros não são acidentes.



terça-feira, 16 de setembro de 2014

Poema para a serenidade


Todos caíam. 
Preferiram a queda
a viver de olhos fechados. 

Foi tudo muito rápido
não houve silêncio
para buscar memórias.

As feridas já nasceram prontas.
Doíam
porque a humildade nos rasga
até cicatrizar a sombra.
Ainda quis saber
em que parte do invisível
elas estavam sendo gestadas.

E como ficam as feridas
e os escombros
se embaixo da avenida
não há arco-íris.

Alguns diziam: " foi melhor assim".
Mas a dor
antes de florescer
não muda de lugar tão cedo.

Vieram
como abelhas 
procurando ideias doces.

Trouxeram a pontualidade de uma mentira
para recompor a tristeza.
Sobreviver
não depende de princípios básicos que aprendemos na escola.
A sobrevivência é a herança do vazio
que abre portas
enterra medos
propaga o amor de mãe
em toda tempestade.
Basta estender as mãos. 

Das partes de uma história
deixada para trás 
a tristeza é como um dia simples
que ninguém colocou lá.
Ela está
perdida
em algum lugar do ontem
ferindo os pensamentos que não saem do lugar.

A tristeza deixa suas marcas
como um gigante
que sai de um mar sereno
para criar ondas.

* * * 

Como uma voz alta
o dia amanheceu sem parar.
E todas as certezas que tive com medo
foram apenas ideias antes de dormir.

A tristeza foi embora
porque tinha um nome.

O gigante explodiu. 
Seus restos viraram uma grande cidade ao Norte.

O que antes era vazio 
passou a ter a densidade do tempo presente
e um recado para meu futuro:

as abelhas deixaram as ondas
a tristeza um barco
e em breve
aprenderei a navegar. 

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Poema habitado



E se o mundo não fosse escuro
antes de você chorar?

Aqui estão minhas mãos
como uma mesa posta.

Balança o mundo sob seus pés
caem suas lágrimas
como o sopro de um machado.

O que pode o poeta
contra lágrimas que não se aquecem?

Com horário marcado
saímos.
Cruzamos a cidade
e a impaciência dela
seguia como um adversário de seu sorriso.

A noite cedeu uma lua particular
e continuamos.

A pele dela
um terraço de acontecimentos
e o cigarro devorava a tristeza que ela sentia
virando música entre seus dedos.

Foi com um chiclete que ela me deu
que eu conheci as canções de um terreno por Santo André.
O caminho até a boca dela
frescor rasgado pela anatomia das frutas
em cores que trabalham.

Debaixo de cada lágrima
um ponto de partida
uma rota de precipício
e a solidão pregada na parede
como um santo padroeiro
abençoando os peregrinos.

Eis que eu reclino os dias frios
e novos ossos protegem seu coração
de palavras selvagens
de quem aprisiona sua subida ao céu dos Homens.

Concentrado
sou como uma igreja aos pobres
sou como a raiz de nossa mãe que nos protege.
Uma flor decifrou o segredo de um anjo
seus olhos apertados decifram o segredo do instante.

Confia.

domingo, 14 de setembro de 2014

Poema 59


" Desde ontem, meus pensamentos todos envolvem você. Dirigindo, trabalhando...Justamente olhando a lua, basicamente nossa madrinha. 




Um manto azul nos cobre.
e com um lápis 
eu escrevo com tintas no vento. 

O seu sorriso é a minha civilização
herança que deixou
aos que se curaram.
O remédio
bem sabes
é viver.

Prendi meu silêncio 
entre as folhas verdes do meu peito
e a alegria 
inflou suas velas.
Eu sou
o que dela
se leva.

O vento
das minhas tintas
escreve em páginas de recomeço
saudando minha aventura
como uma baiana de vestido rendado
milagres e dendê. 

Confia
que a vida tem seu manto
e agulhas. 
Confia
e nunca morrerá de frio.
Serás sempre um livro
pedindo tinta e recomeço. 

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Poema 18


Não meça o tom de uma verdade.
Sabes ao certo
sem que eu vire as costas
que meu destino
é ultrapassar o enigma:
em quem confiar?

Por que não acompanhar
a pureza do seu coração
sem rebelar-se?

Seguirá habitando
esta terra de meus passos
armada
como um sósia da realidade?

Passei a contar a perversidade dos dias
para garantir
que nosso final não seja de dores.
Será o amor
destino intransferível?

Não se embriague dando nome às coisas.
É justamente o oposto da certeza
que aumentará seu campo de visão.

Quadra


A natureza exemplifica:
semente,terra e aduba.
Na vida, tudo que fica
muda?

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Poema 3





Certa vez te esperei
deixei minhas palavras em prontidão.

Foi uma vida
por um sorriso.
O tempo de uma espera.
Infeliz quem não cultiva horas.

Certa vez
imaginei seu sorriso pelo corpo
e apenas por imaginar
foi Carnaval sem data marcada.
Tinha frevo e tango
e crianças brincando
e as cores tinham nomes de bala.

Eu quis escrever um livro sobre cores
porque as cores novas
estas sim
tinham o carisma do seu sorriso.

Não me importava que as cores fossem verde ou laranja
as cores  conduziam exemplos
e me alertavam como um conselheiro sábio:
a saudade são vozes que amassam qualquer grandeza.

Certa vez enquanto te esperava
sentia frio.
Era um frio que recordava esquecimentos
era um ladrão sem uma causa justa:
como são grandes as coisas que não damos nomes!

Eu via seu vestido
cruzando minha memória
seus olhos como uma grande marina
e eu me recompondo após o adeus
e me perdendo ante as coisas que não damos nomes.

A sua paz enquanto queimadura.
Era de seu sorriso que lembrava
e queimava
e renascia.

O que levar se eu esquecer o sorriso dela?
Levarei a paz de um violão
milhões de cantigas
e uma estrada com os mesmos espinhos
ou uma estrada com as mesmas flores.
Levarei enfim o destino
o destino ainda canta
e enquanto ele cantar
será noite
a noite que tece o dia.


Cancioneiro maluco



Para o professor e amigo Rubem Leite



O que dizer da humildade
andando sem alarde
em jogo de saberes?
Exercício de rasgar poderes.


 ***


Daquilo que transcende
somos frutos do destino da semente.
Mas na liquidação
o azedo é o doce do limão.


***


Para uma vida mais doce, óbvio
busque uma opção saudável.
Como alternativa irremediável
o amor é maior que o sódio. 

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Poema permanente



Viaje pelas condições mais ásperas
e pela manhã não espere bons sonhos.
Siga com a roupa molhada
e nos escuro verás tudo que tens.

O mundo que não é pele nem rochas
o mundo vem com o amanhã
e brilha como sua boca.

Lutei como luta um poeta
eles não sabem.
Um labirinto não cabe em palavras
e fiz obrigação
de vencer um mundo cansado de promessas.

O mundo não é uma invenção!

Faça silêncio porque estão todos dormindo.
Eles que trabalham enquanto dormem
eles que traíram o combatente
por um salário no final do mês.
O mundo se fez ilusão
apagaram a luz
e não são inocentes os que não sabem.
As palavras destes homens não guardam segredos
e tenho medo
do anoitecer
quando a noite é delicada com os homens
e os homens destruíram as cidades.

É inverno enquanto o calor deveria subir.
Não há mais ordem natural.
As praias não levam ondas
as ondas são covardes e não tem destino.
As areias não guardam castelos
apenas materiais de publicidade.
As crianças decifram mistérios
mas os mistérios não são para crianças
as crianças gastam o salário do final do mês.



Antes é frio.
Na neve das coisas
um palácio de opções
um jardim de respostas.
Basta descer
onde vês o rosto de Deus
em cada coisa.

A solidão é o presídio das estrelas
mas não existe solidão infinita
existe um braço
saindo do tear de uma tecelã
a lã do abraço amigo.

Quero toda mística que o futuro pode construir.

Que a vida seja difícil
vivemo-la por inteiro.
Há de viver, sorrir e chorar
a vida só é completa com decepção.

Escuta o amor
e seus dedos ásperos
foi ele quem te segurou quando caístes.
Ajuste o relógio para cair de novo
sempre que necessário
e poderá conquistar a paz necessária
de cair de novo
sempre que a vida pedir.

Guarde as histórias para o domingo
para o almoço em família.
Invente mentiras maiores que soluções hollywoodianas.
Seja um sorriso geral
sem euforia.

Esqueça a rotina, a vida, as dívidas
a depressão, o caos a morte.
Esqueça o medo. Os medos.

Só não esqueça uma coisa: não será o último dia do ano.  




sábado, 16 de agosto de 2014

A substância da coragem


Hei de chamá-la 
após o cair do silêncio.
Hei de chamá-la com pressa
temos os vestígios do amor. 
Celebremos a vida
e a beleza das coisas esquecidas.

Não é sozinho que escrevo poesia. 

Não tenhas medo.
As palavras mais bonitas, Amor
estas sim
nos salvarão.

Espíritos da noite
arte de espada e ternura
não abandonem as cidades
não abandonem meu amor. 

Eu que grudei meus olhos e ouvidos ao destino
eu que cavei tua perfeição na lua
apenas peço: não tenhas medo, Amor.

Nada que vive é digno de remorso.
Seu corpo é cera derretida em meus dedos.
São 7 as canções dos teus lábios
orações que caem do céu 
e batem firme sobre a terra.
Velas que sopram um horizonte
tanto azul
quanto possível.

Do lugar que foram adoçados seus beijos
da distância que abençoa os sentidos
os pobres e os camponeses
apenas um lugar
que caiba olhares
um lugar que sustente a mão
a vencer qualquer guerra
porque não é de espingardas que falo.

Já é madrugada, Amor.
Pedistes um papel branco.
Corre em escrever uma antologia.
Somos luminosos
invencíveis sonhadores.
Corre
porque a vida não tem chão para quem sonha.

Recordarás o dia
em agradecimento
que vencestes o monstro imenso
sagrado medo.

Os poemas sem pátria
agora
têm um motivo para virem ao mundo.  

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

O medo não é ancoragem


A vista
sobre todas as vistas
é apenas janela
pois quando o céu está limpo
esqueço das maiores mentiras
em pele de gratidão.

Do alto do 8º andar
a janela é a cidade
sem as voltas que ela dá.

Tentei avisar que a vida não sobe escadas
não usa elevador
mas eu faço poesia.

Da vida que soprava lá fora
a vida que ela desconhecia.
Aquela vida que ocuparemos com palavras
com bexigas
com todo azul e calor
chegará no verão.

O verão vai chegar
sem corações magros
varrendo o medo na hora certa
derrubando os quadros velhos das paredes
e a vida queimará em flor
longe das janelas
quando acreditarem nos poetas.

Sobre seus cavalos
túmulo de ventos
a beleza descerá.
O ventre da vida
nos convidará
para enfim participarmos
daquilo que merece renascimento.

Nós
os poetas
nem brancos, nem pretos
da cor do sol
da cor que os caminhos desconhecem
seguiremos a vida com oxigênio.
Não basta beijar o céu
perseguindo dúvidas.

Da rua
enfeitada com tranças e luzes
levo o que seria um novo caminho
além do hall do condomínio.

Queria ela uma canção
uma lua?
Não.
Saiu da sala
como quem vai ao quarto
e da lua que o poeta daria
ela queria
o dia-após-dia
com a voz fraca
de um piano perdido
a vida da janela.

O que vê a janela
se tudo é emanação
de um subterrâneo matutino.

Como consolo
das feridas do paraíso
dei minhas mãos para ela.
Escrevo linhas e eternidade
e tiro o frio que ameaça seu sorriso.
São com as minhas mãos
que conto histórias
de um mundo aberto e livre
que nasce além da janela.

O medo está congelado no 8º andar
porque ninguém acredita nos poetas.

O inverno se desenvolve.

domingo, 20 de julho de 2014

Breve história de uma semana


Ultrapassam os homens
a fronteira de outros homens.

A queda
é apenas um contorno da rua:
estreita, esburacada, fria.

O coração apenas dorme e trabalha
longe do lugar da vida
de onde nascem os poemas.

Os homens tateiam sobre o chão da alma.
Parecem frágeis
com ilusões pacíficas.
Mal sabem
que não pode a sombra
ocupar a vida por toda parte.
É assim:
todo verde
precede o verão
toda luz virá
do que não conhecemos.

Alguns homens cantam
chamando todas as tulipas que dormem na terra
mostrando aos corações cansados
a mesma alegria e conforto
de um café coado.

Já diziam eles
que precisamos de lugares
onde passem as palavras
sem ruas esburacadas, sem trânsito.
Sem homens que reclamem da sorte
da falta de amor
da prestação do cartão.
De tudo
não nascemos para nos endividar.
Os problemas existem
como palavras que formam o sangue
e faz bater o coração.

Basta dormir
e retomar o mistério:
o esvaziamento do inferno no peito
uma valsa para sorrir e acordar.

Breve história para começar a semana.

* * *

É Segunda-feira.
No caminho de ruas assustadas
almas prisioneiras de pequenos prazeres.
A nobreza da promessa que nunca chega
da semana invencível
como um inventário de tudo igual.

É Quarta-feira.
O tédio é um caminho que nunca chega.
E eu vejo o ódio com urgência e couro
sapateando pelas calçadas.
O ódio é um patrimônio que não dá frutos
e segue abrindo abismos:
entre carros
entre cômodos
entre paralelos.

É Sexta-feira.
A cidade de Narciso é alta.
Vivem como quem busca refúgio
de uma guerra invencível
de um pavor invisível.
Orações são devoradas
e seguem pegando fogo
fechando portas
derrubando silêncios
que estavam fracos
mas ainda cantavam
ainda sopravam
ainda.

É Sábado.
Nos restaurantes
é dia de feijoada
e a única liberdade que eu vejo
é a laranja
sorrindo no prato branco.

Há bocas
de sorriso e rochas geladas
com pedaços de carne entre os dentes.
Invioláveis à dor
o sangue coagulado tinge o prato
e o aroma de fumaça não engana a morte.
Chupam a ponta dos dedos
para ressuscitá-los
e comê-los novamente
frito ou assado. No óleo ou na brasa.
É pela boca que eles deitam com a morte.

Aos domingos eu escrevo como quem dança frevo
armado de palavras valentes
encubadoras de novos tempos
a grande estrela de um dia inventado.

Estabelecem os homens
a fronteira com outros homens.
Para suportar a certeza
de algo que a morte não tome
e ponto.

Não se desespere quando as estrelas sumirem:
algo surge no mundo
e não será Segunda-feira.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Poema para navegar na chuva


Descobri as iniciais de Deus
enquanto amanhecia em sua boca.
O Sol desceu
como uma água rósea
que não afoga. Encoraja navegantes.

Em todo frio das estações
a alegria de uma gaita
a posse das bocas.
O trovão dos seus passos, amada
destino que aquece sem dor.

Depois das semanas
corri por toda paciência
que atravessa a terra sob nossos pés:
a direção da vida que tenho.

Como um sábio
que lê calmamente seus Salmos
e a vida de Daniel e Salomão
o que sabem eles?
Eles chegaram primeiro
e hoje sentamos todos para ouvir a razão que falta aos homens
a decoração do tempo enquanto luz fraca
perdidos e ingratos na noite.

Ingratos são aqueles que não sabem onde pisam
ingratos os que não procuram a beleza
no instante exato em que os lábios se tocam:
memórias da consciência universal.

Santo Deus!
Há tanto brilho
no fino destes olhos.
Há tanto amor avançando
surpreendendo a noite
como uma coruja trazendo a lua
na ponta de suas asas.

Quando vocês sorri
as estrelas maduras caem
de um céu
adorno de constelações.

Como tem ossos de cobre
a rua luminosa!

Como ela guia nossos encontros
e como ser feliz é pouco
sabendo que tudo que conspira
nem é mistério
só pode fazer bem.

E quando as casas não tiverem leis
lembre-se da grinalda das areias
e bata palmas para o silêncio do capim-cidreira
que roubou a escuridão da vida
para fazer chá.

A sinopse da caneta vermelha
e a munição dos sonhos:
um mito para cada época
um amanhecer transparente
um coração de cada vez.

Bravos são os que desbravam o mundo
armados de futuro e ternura
que escutam com amor os caminhos da terra
mãe dos desejos esquecidos
das coisas simples
e das receitas de influenciar o mundo.

A chuva canta
e tudo que muda: floresce.

Silêncio.

Dorme na casa nova.
Dorme.

terça-feira, 1 de julho de 2014

Quem SAB?


Não sei ao certo
se é fome ou brincadeira
mas ao seu lado
o coração vira uma pipoqueira.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Poema 77


Quando seu medo acordar
e você for a última pessoa na Terra
não se esqueça de ainda assim
sair da cama.

É gratuito o peso que cai
como a lágrima de não ter o que inventar
senão mentiras.

Quais amigos te esperarão no futuro?
Onde estavam eles senão te esperando
enquanto você dormia.

E a vida passou
como um amanhã que ninguém nota
como a fila da lotérica dobrando a esquina
a janela aberta na chuva
molhando seus pés
semeando os medos
protegendo o previsível.

A vida te chama pelo nome
a vida te socorre.
A vida sempre encontra razões
como um suspiro aos pés de uma montanha.
Por que foges dela?

Lá esteve a esperança, lembras?
Um suspiro baixinho
de mãos abertas
um chão para pisar
correr
amar. 
Tantas ruas
abaixo da rua do caminho do trabalho
qualquer razão para sorrir
e uma flor para brotar no céu.
Onde esteve você que nunca acreditou em suspiros?

A esperança é como a casa de uma avó
onde para se fazer algo grandioso
basta ser capaz de sentir o gosto de um bolo.

Não escrevo para falar.

Escrevo para recolher do mundo
todas as histórias perdidas
e escrever um livro:
o aprendizado da esperança ou contos da hegemonia do medo

Quando acordar
não me pergunte
quantas cores tem o lado bom da vida.

sábado, 21 de junho de 2014

Poema diminuto



O pouco que aprendi
foi por fatalidade.

Nada sei
senão a fórmula que sustenta os mistérios
e por isso
para mim
nada foi tão triste.
Para ser honesto
a vida trouxe melancolia e tristeza
mas para mim foi tão natural como Outono, uma xícara ou uma cadeira.

Tudo se renova
como um bom homem
que sabe que dentro de uma conversa nasce uma nuvem
com tranquilidade e chuva para semear.
Mas
gargalhar demais
é roubar o sossego das pessoas.

Desde criança
todos os meus amigos viveram respeitando demais.

Não que eu seja contra o respeito.
Sou contra o que me tira o chão, a luz e as asas.

E meus amigos de infância
continuaram obedecendo demais
e cresceram apenas para rir, comprar carros e obedecer
como um império do sono
ou o trajeto de uma noite furiosa e escura
que não se conclui.

Eu cresci para ver o exílio do lamento
mesmo tendo pouco com o que iludir.

Eles continuaram obedecendo e respeitando
e hoje
o trabalho e o chefe
são roupas que eles não tiram mais.

Eu procuro o vão das coisas
como a sorte do Paraíso escrito na palma da mão.

O vão das coisas é o quintal da Poesia.
Lá o varal seca as roupas que devemos usar
e não existem mais roupas velhas ou novas
ou calças para pregarem os botões.
Há excessos
ou há poemas novos
saindo de cada lavagem.

Não sei mais dos meus amigos
não sei se continuam
velhos ou novos
ou se foram lavados.

Não sei da chuva que cai como lembrança deles
não sei da escola que ainda tem cheiro de pão com salsicha.

Apenas sei que esta é a última linha do parágrafo.
Esta é a verdadeira lição do tempo
já dizia a professora Vera.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Ô


Se eu atrasar
me espere por mais de uma hora.

Enquanto isso
não recolha flores do jardim.
Não gaste as vidas da palavra Amor.

Deixe as flores
o carro na garagem
vista a camiseta branca dos Beatles.
Saia mais cedo do trabalho
leia todos os livros da bolsa
estarei na próxima estação do metro.



Era noite e eu não te conhecia
senão como um anjo
em suas memórias de encontros.

Enquanto eu andar
como um soneto em linha reta
como a curva que guarda distâncias
abrindo a noite que guarda seus beijos
lá estarei.

Quanto te vi
no longo vestido que cadenciava a noite
dando vida a um caminho
que levava do mundo
a espera celeste.

Confia sempre
confia
e me encontra.

Vem
tira o sal das palavras.
Levanta do mar a alegria.
Retira da última estrela
o Amor ao céu
e este então
serei eu.

Continue
do ponto em que a vida lhe fez grande
que deste exato momento
o eixo que separa o mundo
o grande e o perfeito
é diminuir seu frio em meu peito.
O caminhar entre as dúvidas
sua boca, mão e beijos
é paciência e lembrança
de que o Amor
compõe a humildade das coisas.

Naturalidade das horas
não tenha medo da chuva
não se esconda da noite
não faça promessa ao futuro.

Apenas
não tenha medo.

E se eu me atrasar
guardo em mim os muitos encontros
sorrindo.






domingo, 8 de junho de 2014

A precisão de Maio



Pedi uma noite simples
com alguns traços de poesia.

Era Maio,
o mês que todos os santos estão no céu.

Fiz uma fogueira simples
e enquanto a madeira estalava
escrevia meu lamento:
"Como é difícil escrever em mundos mudos".

A única forma de sofrimento é estar parado.
Por isso
caminhei
e fui buscar
a letra que estava em paz no papel.

Do trabalho permitido no Alasca
o gelo conserva
e nutre
sem desigualdades.

Caminhei ao fundo da terra
e sentia sede.
O cantil
a taça de vinho
o silêncio das palavras que trabalham a noite
mostram aos inocentes a esperança
o aroma do mundo para a longevidade.

A tábua que andamos
com equilíbrio pelo vento gelado.
Meus pés são a salvação daqueles versos longos:
Meus pés cabem tantos caminhos!

Continuava a caminhar
e a reciclar meteoros
que são luzes nascentes
buscando paradas.

Já não pensava mais nos egoístas
que são pedras dormente.
Estes que se afundem com seus ódios!
Penso naqueles que estão sozinhos
e os egoístas não deixam voar.

Eles vieram de longe
querem uma classe de privilégios.

Os egoístas me consomem
eu não sei o motivo.
Eles são tiranos da liberdade
pólvora e metal da bala
a sombra dos famintos nas ruas.

Os egoístas falam por todas as coisas.
Eles se ofendem quando o povo sai da desgraça!
A multidão dos egoístas anda armada
tem braços e cães raivosos.
Eles se reúnem em jantares
brindam com o sangue dos trabalhadores
e malditos
eles cantam:
"nunca um homem pode ter
o que nunca teve".

Malditos e coléricos
são julgados na França e Suiça
malditos e coléricos
eles votam
eles voltam.

Era uma manhã simples
despovoada.
Era a precisão de Junho
mostrando que enquanto tomba um homem
a poesia resiste.

Em Maio
todos os santos
e os trabalhadores
estão no céu.



quarta-feira, 4 de junho de 2014

Poema 6


Escrevo
porque invento memórias.
Não se recupera a felicidade
pelo pensamento.

Andemos todos devagar
e sem pressa.
É com o andar simples do carteiro
que a paz encontra o número certo
o lar de cada casa. 

Antes que cada folha caia
um universo já nasceu
e no movimento da queda
o solo espera.

Não condene as horas e os passos.
Quando nascemos
ninguém disse que a desvantagem dos homens
seriam os relógios
tampouco
os ponteiros sabem disso.

Vivemos dando nome e mentira às coisas:
não há maldade no mundo
não há um coração que sofre
não há TDHA nas crianças.

Simplesmente
alguns precisam da mentira porque a vida é boa demais.

A vida é o sorriso secreto de cada coisa.

O tempo da espera não é um tempo preso
como uma fila de banco.
A espera genuína 
são os pés aprendendo a voar.

Por isso nas cidades
as pessoas tem tanto medo de altura. 

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Um poema para chamar de seu


Todo problema que eu tenho é menor que o mar
a vida é maior que o tempo.

Como eleger memórias sem importância?

Sou mundo e mundos.
Entonação de frases que animam almas
flores como samurais
de leveza e honra.

A beleza como um bom poema
desprevenido de sua falta
esperando o cair da noite
ou o Sol e o seu verão.
É uma nova palavra
que navega pelo rio do desespero
trás a esperança em mim
porque entende o mar.

Apenas consigo andar contigo
de forma lenta.
Você está vestida de festa
sorri como canções amarelas sem muro
e narra o texto da liberdade
em um silêncio vertical.

É o convite para seguir o Norte
e minha fé não cabe numa casa.
Sou mundo e mundos
porque minha alma é maior que o mar.

Navego.
Sou sacerdote do silêncio que me deixou a sós com você
e graças ao esqueleto das palavras
não há distâncias.

" Não percas a tua fé ante as sombras do mundo".
Se hoje houver desistência
amanhã
procure saber o que é o mar.



terça-feira, 27 de maio de 2014

Poema 42


De tudo
somente posso amar-te sem palavras.

Te procurei com o infinito nas costas
com vontade
e a esperança de um rio
alegre de seu destino.

Sem você
eu era noite
em sua escuridão mais pura
e o inverno subterrâneo
não renascia.

Enquanto o céu ardia
eu apenas intuía ser você
o cometa esperado.

Não tinha data
não tinha nome
apenas sabia de você.

Quando te vi
reconheci a compreensão do eterno a cada segundo
a vitória sobre a vida.

Seu silêncio é a ordem de cada coisa em seu lugar
o prazo justo
no Corredor Absoluto.

Seu beijo nasceu em mim
como chuva no deserto em tempos avulsos.
Seus olhos verdes
construíram perfumes em meu caminho:
o destino das Vontades em Perfeição.
Seu beijo é fome da tranquilidade.

A noite são valores
que não se podem perder
e ao dormir
basta um dia cansado
para renovar a fé.

Só o amor penetra nas dúvidas
e depois das estrelas
preferi seu beijo em gotas
com toda calma
e morada da vida.

Por você
faria tudo de novo
com a certeza de te encontrar:
você é o subterrâneo das coisas.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Fôlego



Volta
volta e me encontra.

Ainda que minha única ambição
seja que as mãos se tornem terras avulsas
de perguntas distantes.

Volta
respira.

Você ainda chama meu nome
em um só fôlego.
Eu ainda quero a paz de não ter pressa
o merecimento de uma paixão precária
mas
intensa
sóbria
sem nostalgia.
A mística das cores coloridas em seu corpo
um coração para pulsar o céu.

Volta.
Volta com pele
e calor da manhã azul
sem nome.

Volta
volta e me chama com o fôlego das casas
e do seu rosto na pele do Sol.

Volta.
Volta que eu sou o céu da janela
e você ainda me chama com o eco da sua língua doce.
Seu gosto é a ressurreição da Terra
voz
e esgrima dos homens.

Quarto escuro do Paraíso
de onde você me chama
não há mais órfãos.

Volta.
Volta e come o fruto maduro:
o que move a Terra
é ressuscitar a escuridão.

Volta
e em um só fôlego
vive:
um dia o mundo será nós.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Poema de nada


Não insisto quanto às coisas abandonadas.
O amanhã nos alcançará
infalível.

Um novo caminho regula a poesia
antes do 1º verso
ainda.

Guarda a noite antes do mistério
porque o que fala:
silêncio.

terça-feira, 29 de abril de 2014

Poema de véspera


Para Evelin Scarelli *


Somos todos
maiores e humanos
como o amor que se perde
como o amor que se ama.

Parecia tímida
mas era Primavera.
Menina coroada
tinha nome e encanto
a voz da resistência solene.

Então
a poesia da menina que escuta o tempo
dizendo 
com palavras simples
que antes da bondade, a véspera.
O silêncio dos afetos
agora compreendido
da menina que conjugou a eternidade
com um sorriso.

Um dia
recebeu uma notícia
triste como as cores de um quadro reverso
e ela chorou. 
Chorou
como um sol chora poesia
e dos seus olhos nasceu um novo Outono
que conduziu os homens
para a grandeza de existir.

De suas lágrimas
ela acordou o amanhã
com um novo mundo ainda possível.

Sobre as preces menina
estamos todos juntos.
Você perto
eu longe.
Estamos juntos menina.

Você tem medo e dor,
menina.
Que ninguém pense que você é imune ao que sofrem os homens
mas, entre você e o mundo: a salvação dos poemas.

Há em  seu coração a lucidez do amor
que procura a sombra das cidades
que adivinha tristezas
em olhares frios:
o abraço de um céu espumado.

No seu coração a viagem
o perfume de um lábio que não se mede
exala a voz de um coração que não se cansa.

Onde faz sol
seu sorriso é jasmim
onde alguém dorme
seu olhar é sonho.

Onde há ódio
seu caminhar tem todas as rotas
para não morrermos em trevas.
Onde as portas não abrem
suas mãos formam as chaves
do doce afeto de Cora.

O ponto que chega
é a ciência que trouxe
mas a beleza
é sempre preservada.

Luz da manhã que irradia  um destino
é tão bom vê-la correr.

Corre com sede de vida menina
que o mundo é uma rosa selvagem.
Corre que você escuta o amanhã
e apenas nós sofremos por ele.
Corre porque você se move
com dedos que plantam a Fé em lugares sombrios.
Corre que seu sorriso conduz os homens às areias
de um perpétuo afogamento.

Corre e fita o céu
de um coração transbordante
é lá seu lugar entre as honras e as horas
da justiça das estrelas que conquistaram o Infinito.

É seu sorriso
estátua e salvação de uma cidade áspera
que cruza o cimento
e encontra a saída do labirinto
vindo de um poema de véspera.


Para conhecer o que inspirou este poema, conheça o trabalho da Evellin no Instituto Oncoguia.